terça-feira, 23 de novembro de 2010

Diga não às drogas

Em dez anos, o consumo de maconha cresceu
quatro vezes entre os adolescentes de 16 a 18 anos.
E a tolerância aumentou. Polícia, Justiça e
escola têm punido menos o usuário

A maconha é a droga ilícita mais tolerada pelos brasileiros. Embora o consumo tenha aumentado regularmente nos últimos anos, a polícia prende menos usuários, a Justiça condena pouco e a escola aceita mais. Dados da Secretaria de Segurança Estadual do Rio de Janeiro mostram que o número de pessoas flagradas com maconha vem diminuindo consideravelmente. Em apenas um ano, houve uma redução de 60%. No Estado de São Paulo, foi de 30%. Em Porto Alegre, os casos caíram pela metade. A situação é semelhante em outras capitais brasileiras. A análise dos últimos censos penitenciários não deixa margem a dúvidas: o volume de condenações por uso de drogas caiu mais de 20% nos últimos anos. Entre as maiores escolas particulares do país, o número de expulsões relacionadas com o uso de maconha também baixou. Hoje, em apenas um de cada dez casos, o estudante é convidado a se desligar do estabelecimento. Geralmente, quando fuma dentro das dependências do colégio.
De acordo com um cálculo aproximado, quase 700 toneladas de maconha são consumidas todos os anos no país. É quantidade suficiente para a confecção de 700 milhões de cigarros e para deixar satisfeitos algo como 5 milhões de usuários – um sétimo do número de fumantes de tabaco. No ranking do consumo das drogas, ela vem quilômetros à frente de crack, cocaína, heroína ou ecstasy (veja quadro). Um levantamento de uso de drogas entre estudantes em dez capitais brasileiras, realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), revelou que o consumo freqüente da maconha quadruplicou em apenas dez anos. O dado mais impressionante, no entanto, é outro. Conforme uma tendência também observada em outros países, esse aumento é maior entre adolescentes e jovens na faixa que vai dos 16 aos 18 anos. Nessa comunidade muito jovem, 13% das pessoas fazem uso da maconha no Brasil. Outro fato surpreendente: algumas estimativas extra-oficiais informam que até 50% dos jovens brasileiros experimentaram a Cannabis sativa, nome científico da erva, pelo menos uma vez na vida. Isso significa que se chegou perto de uma situação em que a dúvida não é mais saber se uma pessoa vai experimentar um cigarro de maconha. Agora, a pergunta mais realista é quando ela fará isso.
O problema desse avanço da maconha é a banalização do vício. A tolerância com o álcool e o cigarro produziu o fenômeno do "cigarrinho" e da "cervejinha". Hoje, já há quem use a expressão "baseadinho" para tratar de uma droga que, como o cigarro e o álcool, tem efeitos colaterais ruinosos. Segundo os especialistas, a maconha produziria uma perda da capacidade cognitiva. Ao fumar um baseado duas a três vezes por semana, o consumo médio de um usuário, a pessoa passa a apresentar alguma dificuldade para reter conhecimentos. Muitos usuários relatam uma perda da capacidade de memorização e também de aprendizado. Mesmo depois da interrupção do uso, o efeito pode persistir. A segunda característica é a perda da motivação. As pessoas, em geral, desistem de projetos a longo prazo e alegam cansaço para tarefas simples. "Quando você fuma, não segue uma seqüência lógica. A atenção fica flutuante. Depois de um tempo, essa postura acaba prevalecendo", diz F.P., estudante paulista de 23 anos e usuário.
Tanto no Brasil quanto em outros países, a maconha conquistou uma legião de usuários na década de 70, durante a fase "paz e amor", que se esticou por anos, sob a influência do movimento hippie dos Estados Unidos. A juventude que usava cabelos enormes, roupas desalinhadas e muito coloridas, numa manifestação de repúdio à cultura bem-comportada das gerações anteriores, também tomou a maconha como um de seus apetrechos na aventura de, como pensava, criar um mundo melhor. O sonho um dia acabou, como se sabe, e a religião do protesto pelas atitudes só sobreviveu em núcleos minúsculos e inexpressivos. Assim, é de perguntar o que faz a maconha conquistar velozmente uma geração de garotos e garotas tão novos nos dias de hoje. Existem várias razões apontadas pelos usuários, jovens ou não, para fumar maconha. Em primeiro lugar, obviamente, os consumidores usam a erva porque sentem que ela lhes proporciona sensações compensadoras. O publicitário paulista R.L., 25 anos, diz que ao fumar maconha sente que "trocou um chip". De repente, passa a ficar despreocupado, sente-se mais divertido e vê as coisas de outra maneira, conta ele. R.L. adora fumar maconha e andar de patins. Em sua opinião, o vento bate em seu corpo de outra maneira, e ele passa a respirar de forma mais satisfatória. Tudo fica mais colorido. "Vou continuar usando enquanto me fizer bem", afirma o publicitário, que fuma três baseados por semana. A mesma sedução a erva exerce sobre o médico D.J., 45 anos, morador de Brasília. Todas as semanas, ele fuma pelo menos uma vez, geralmente com os amigos. O médico diz que passa a reparar em coisas que não perceberia se estivesse sóbrio. Gosta de tocar músicas e fala que seu desempenho ao violão melhora muito quando fuma a erva. "Pareço sentir a música. Para mim, funciona como um drinque depois do expediente", conta o médico.
MATÉRIA PUBLICADA PELA REVISTA VEJA.

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